* 09/03/1928
+ 10/01/2012
Morre Dom José Freire de Oliveira Neto, 83 anos, o segundo bispo filho
da diocese, natural do município de Apodi, RN. Ele foi, inicialmente, auxiliar
de Dom Gentil Diniz Barreto, e, depois, nomeado pelo papa, bispo da diocese de
Mossoró. Governou a diocese durante 20 anos, de 14 de março de 1984 a 17 de
outubro de 2004.
Dom Freire pertence à safra dos bispos de grandes ideais, que marcou a
era de ouro da Igreja no Brasil. Na diocese, ele escancarou as portas da Igreja
para os leigos, criou as assembleias de pastoral, o planejamento participativo,
reacendeu as pastorais sociais. Ele é da geração dos bispos militantes da
Igreja Pós-Conciliar, tinha opções eclesiais claras e causas nobres, ao lado de
brilhantes figuras no episcopado, como Aloísio Lorscheider, José Maria Pires,
Hélder Camâra, Paulo Evaristo, Eugênio Sales, Luciano Mendes e outros. O novo
jeito de fazer e de ser Igreja, a partir das inovações libertadoras dos
documentos pós-conciliares, alimentavam a esperança e o dinamismo pastoral dos
bispos.
Naquela época, 1984, ainda vivendo sob a ditadura militar, havia no
episcopado brasileiro, os bispos que optaram ficar do lado do povo, lutando
pelo resgate da democracia, por justiça social e pela liberdade de expressão.
Dom Freire era um deles.
Iniciou seus estudos de padre no seminário de Santa Teresinha em
Mossoró, depois continuou no Seminário de São Leopoldo, RS, e, concluiu com o
mestrado em Ciências da Educação, com especialização em catequese, pela
Pontifícia Universidade Salesiana, em Roma.
Era nostálgico e, ao mesmo tempo, divertido, escutar Dom Freire falando
da sua bela história vocacional. Várias vezes, no seminário Santa Teresinha,
nós, seminaristas, tivemos a oportunidade de escutá-lo: narrava com detalhes,
desde o dia em que chegou de trem em Mossoró pra entrar no seminário menor,
suas viagens de navio para São Leopoldo, sua relação de amizade com Sátiro e
Américo, que, na época, também eram seminaristas.
Estudando na Europa, Dom Freire continuou fiel ao modelo de Igreja das
comunidades de base, povo de Deus. Vivia com o corpo na Europa e cabeça na
Igreja da América Latina. Motivado pela primavera inovadora que vinha do
recente Concílio Vaticano II, Dom Freire ousou escrever sobre Catequese
Renovada, que na época, causava um certo tremor e temor nos homens do Vaticano.
Voltando ao Brasil, foi referência nacional na área catequética,
proferia conferências nos regionais e dioceses de todo o país. Foi um dos
redatores do documento oficial nº 26, "Catequese Renovada", da CNBB.
Dom Hélder Câmara o estimava muito e o chamava de bispo da catequese. Penso
que, a catequese no Brasil, especialmente no Regional Nordeste II, tem uma
grande dívida com Dom Freire.
Cada um pode descrever características que identificam o episcopado de
Dom Freire. Eu, também, tenho as minhas. Hoje, quando recordo a missa dominical
das nove horas, na Catedral, transmitida pela Rural, rapidamente vem a imagem
de Dom Freire. Ainda criança, morando no sítio Bartolomeu, ouvia aquela voz:
"meus irmãos e irmãs presentes na catedral de Santa Luzia e ouvintes de
casa".
Chegando em Mossoró pra estudar, passei a entender o porquê de algumas
homilias do bispo terem um tom bastante social e profético. Ele denunciava as
injustiças, falava ousadamente do descaso administrativo da secular oligarquia
rosado; falava da corrupção que imperava/impera nos sistemas públicos. Ele
portava no início do seu episcopado a identidade de um pastor, que carrega as
dores e as angústias do povo, dos injustiçados, dos preferidos do Reino. Nos
últimos anos do seu episcopado, pouco a pouco, ele se distanciou das questões
ligadas aos problemas sociais, seu tom profético já não era mais o mesmo. Não
sei o que houve. Talvez tenha sido consequência da idade e do peso do cajado.
Pena.
Outra característica determinante no episcopado de Dom Freire foi o zelo
pelas pastorais sociais: CEAPAC (Centro de Apoio a Projetos Alternativos
Comunitário), CPT (Comissão da Pastoral da Terra) Cáritas, Pastoral da Criança,
entre outras. Dom Freire entendia que, ser pastor em uma realidade, onde a
maioria vive à margem dos direitos humanos básicos, não priorizar a pastoral
social, seria como marginalizar na Igreja o próprio Jesus Cristo, ou seja,
relativizar o tão sonhado Reino de Deus, revelado por Jesus nas
Bem-Aventuranças de Mateus.
As vocações sacerdotais também são uma característica basilar no governo
de Dom Freire. Ele dizia que "o seminário é a menina dos olhos do
bispo". Sou fruto da sua época. Tínhamos no seminário, semanalmente, dois
encontros sagrados com o bispo: na missa, terça-feira, às 6 da manhã e no terço
das quartas-feiras, às 7 da noite. O pouco namorico que ainda tenho com Santa
Teresinha é culpa de Dom Freire. Nunca vi tanto amor por uma jovem santa, como
aquele de Dom Freire com Teresinha de Lisieux. Falava dela como que tivesse
crescido e vivido, desde criança, ao seu lado. Conhecia tudo, desde a cor dos
sapatos que Teresinha usava, até os tipos de transas que fazia no cabelo. Penso
que toda Mossoró já ouviu, pelo menos uma vez, Dom Freire falando, por exemplo,
expressões como: "Santa Teresinha, a doutora do amor" ou "Santa
Teresinha dizia: quero passar o meu céu, fazendo o bem sobre a terra".
Olhando também os dois grandes amigos contemporâneos de Dom Freire,
Mons. Américo e Pe. Sátiro, conseguimos ver algo parecido. Se para Dom Freire,
o seu maior xodó era Santa Teresinha, para Mons Américo, era Santa Luzia, e
para Pe. Sátiro, São Francisco e Santa Clara, além de um afeto danado com Santo
Agostinho e São João da Cruz. Precisaria perguntar a Sátiro, quem destes
citados, ocupa o primeiro lugar.
Medo. Era a emoção que aflorava quando precisava conversar com Dom
Freire. Eu nunca tive um bom português e, perto de Dom Freire, pior ainda. Ele
era culto no clássico português. No seminário, quando havia reunião ou missa
com ele, corrigia publicamente nossos erros gramaticais. Então, ficar calado
era a melhor forma para não ser repreendido.
Todavia, embora Dom Freire revelasse esse lado autoritário de ser, ele
tinha também seu lado humano e afetuoso. Era gostoso viajar com ele, visitá-lo
em sua casa. Saber escutar e compreensivo eram duas virtudes que admirava em
Dom Freire.
Hoje, particularmente, agradeço ao Pai Criador por tudo o que Dom Freire
fez por mim. Fui acolhido por ele no seminário, foi quem me ordenou padre em
São Miguel. Logo após ser ordenado, mesmo sem experiência suficiente, ele me
confiou a responsabilidade de cuidar da formação dos seminaristas. Enfim,
eterna gratidão ao nosso bom Deus, pelo bem que Dom Freire fez à Igreja de
Mossoró e à sociedade em geral.
Descanse em paz.
Padre Talvacy Chaves